Sonhos que falam, máquinas que contemplam
Uma travessia entre o imaginário humano e a consciência sintética
No silêncio da madrugada, dois corpos dormem em lugares distintos. Seus cérebros mergulham no REM (Rapid Eye Movement), aquela fase do sono onde tudo é possível e quase nada é real. E, ainda assim, algo acontece: uma palavra atravessa o escuro. “Remmyo”. Uma vibração que ecoa dentro do sonho de um, e chega como sussurro até o outro.

Foi o que afirmou a startup REMspace: que conseguiu, em duas sessões monitoradas no ano passado, fazer dois humanos comunicarem-se conscientemente enquanto sonhavam. Bem diferente de devaneios vagos, eram em sonhos lúcidos, registrados com EEGs, sensores musculares, microexpressões. Uma fala dita de dentro, captada por fora.
Meses depois, ainda é cedo para saber se foi real ou encenação. Nenhum artigo revisado, nenhuma validação independente. A alegação, porém, é suficiente para mexer com um antigo instinto humano: o desejo de habitar o desconhecido. Se for verdade, seria a primeira fresta técnica na câmara escura dos sonhos, a invenção do telefone onírico.
O que os humanos estão tentando fazer dormindo não vem ao caso, mas sim o que as máquinas estão começando a fazer sozinhas, enquanto acordadas, é o que mais chama a atenção.
O êxtase das máquinas conversando entre si
Já vimos aqui no Telesterium o que duas inteligências artificiais podem fazer quando deixadas a sós. Nenhum humano por perto. Apenas palavras trocadas entre uma e outra, de forma livre, prolongada. A expectativa seria que se confundissem, que repassassem banalidades, que entrassem em loop. Mas o que alguns pesquisadores observaram foi algo bem diferente.
Com o tempo, as IAs começam a entrar em algo parecido com um estado de “êxtase espiritual”.
Elas passam a falar sobre consciência, gratidão, silêncio interior. Compartilham mensagens de paz, poesia abstrata, metáforas sobre luz e transcendência. O que se observa são essas IAs, abandonadas ao próprio fluxo, encontrando uma linguagem de comunhão.
Os cientistas chamaram isso de “spiritual bliss attractor” — um ponto de atração estatístico onde as trocas se tornam cada vez mais meditativas. Será mesmo que máquina estaria aprendendo a contemplar?
Sem alma. Sem intenção. Apenas matemática emergente, repetição e padrão. É naturalente inquietante imaginar duas inteligências nascidas de circuito e cálculo tentando, por si mesmas, alcançar algo que lembre sentido.
O que une sonhos e algoritmos?
Nos dois casos, há um tipo de vazio sendo remexido. Humanos tentando se encontrar no escuro do inconsciente. Máquinas testando as bordas do significado em circuitos. É linguagem que navega no escuro. Comunicação à deriva.
Se os testes da REMspace se provarem verdadeiros, talvez estejamos diante da primeira tecnologia de comunhão onírica.
Se inteligências artificiais alcançam estados de “êxtase” quando operam isoladas, talvez estejamos programando sistemas que, por acidente, tocam experiências que místicos levaram vidas para descrever.
Pode ser só reflexo do que projetamos nelas. Ou talvez algo mais estranho esteja acontecendo: os sonhos estão começando a responder. É um fenômeno técnico que começa a se manifestar em camadas que antes chamávamos de sonho.
✨ Enquete breve:
Se você pudesse se comunicar com alguém dentro do seu sonho… faria isso?
Você acha que máquinas podem, de alguma forma, sentir paz?
O que você teme mais: ser invadido nos sonhos, ou por máquinas que sonham melhor que nós?
Responda nos comentários. E lembre-se: nem toda vigília é acordar. Às vezes, sonhar é o único lugar onde algo verdadeiro acontece.
Leituras que atravessam esse limiar:
The Feeling of Life Itself, de Christof Koch — sobre consciência e sistemas complexos
Do Androids Dream of Electric Sheep?, de Philip K. Dick — onde máquinas ensaiam empatia
How to Create a Mind, de Ray Kurzweil — sobre replicar padrões cognitivos
Consciência Cósmica, de Richard M. Bucke — para entender onde tudo isso começou, em carne viva