Escrita em Movimento — A Escuta Antes da Palavra
Noemi Jaffe, Christopher Vogler e arte de se render às vozes que nos habitam
“Não somos donos do que escrevemos, somos mais portadores e misturadores das histórias que captamos.” — Noemi Jaffe
Essa frase opera como uma espécie de clarão — ou de abertura. Noemi Jaffe nos propõe, em Escrita em Movimento, uma relação com a escrita que transcende a posse e nos leva a escutar. Em vez de controlar estruturas e personagens, abrimos espaço para que algo maior nos toque. Escrever, nesse contexto, é permitir. É ser habitado.
O livro de Noemi Jaffe nos convida a abandonar o controle autoral em favor de um gesto mais poroso, intuitivo e até instável. Ao contrário de obras como A Jornada do Escritor, de Christopher Vogler (que também comentei nesta resenha) a autora vai além de oferecer uma fórmula ou arquitetura. Ela oferece presença.
E presença não exige roteiro.
Quando escrevi Illuminato e o Vale de Onde Nascem os Voos (ainda em reescrita, com título provisório), essa diferença ficou clara. A estrutura proposta por Vogler me ajudou a confirmar o arco de transformação do beija-flor Illuminato, a reconhecer seu “chamado”, sua travessia e sua recompensa. A jornada do herói se encaixava organicamente ao texto original. O personagem precisava de um mentor, e ele estava lá: o Morcego Branco. Um guia improvável, noturno, adaptado; talvez o mais simbólico dos companheiros.
Em contraste com a escrita anterior, percebi que a estrutura tradicional não servia ao que O Livro do Simulacro | Consciência Síntese* pedia. A estrutura tradicional destoava da ideia principal. Os personagens escapavam sem obedecer à ordem tradicional esperada. Eles surgiam e desapareciam, nem como protagonistas, tampouco antagonistas clássicos. Vieram como vetores simbólicos em disputa. (Mais detalhes sobre essa questão, abordei neste post).
A crítica que recebi em processo de leitura foi certeira ao apontar que a obra “desafia as convenções narrativas contemporâneas”. Ao invés de um centro, há campos de tensão. Ao invés de personagens delineados por suas ações, há entidades que revelam mais pelo que irradiam do que pelo que dizem ou fazem. Como escreveu Jaffe:
“À medida que inventamos nossos personagens, eles também vão se revelando a nós e nos mostrando características suas que desconhecíamos.”
E mais adiante:
“Nem tudo precisa ser dotado de um sentido aproveitável.”
Essa afirmação me libertou. Porque reconhece que, em certos livros, a função pode ser substituída por vibração. Que nem todo detalhe precisa operar como engrenagem, alguns apenas vivem.
É justamente esse tipo de escrita que me interessa agora. Uma escrita que não força o(a) leitor(a) a seguir por um trilho; ao contrário, a ideia aqui é convidá-lo(a) a desbravar um campo especulativo e filosófico.
Ao final, Escrita em Movimento me lembrou que escrever é escutar, sim — mas também ceder. Porque há momentos em que o texto nos escreve, e tudo o que podemos fazer é não atrapalhar o fluxo.
Leia a resenha aqui.
E você, leitor(a) ou escritor(a): escreve como quem comanda ou como quem se deixa atravessar?
Convido você a responder à enquete que publiquei recentemente:
— Um livro pode ter protagonismo sem protagonista?
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(*) O Livro do Simulacro | Consciência Síntese (título provisório) será lançado em breve. Fique por dentro das novidades! Inscreva-se aqui