Como seria se os artistas começassem a sabotar os “cérebros” das IAs usando arte como munição? A vingança agora é digital, quase invisível e começa em pixels. Pois é, parece que a nova geração de artistas encontrou uma forma, ainda que silenciosa, venenosa e deliciosamente passivo-agressiva, de fazer exatamente isso.
O nome da arma? Nightshade. Não é o título de um remix de darkwave de Berlim. É uma ferramenta criada por pesquisadores da University of Chicago para envenenar dados. Sim, você leu certo: data poisoning. Uma técnica que insere distorções quase invisíveis nas imagens e confunde os modelos de IA durante o treinamento.
O resultado? A IA tenta aprender com a sua arte e sai achando que um coelho é um micro-ondas. Que um Van Gogh é um gato siames. Que a Monalisa é… bom, talvez ela seja mesmo várias coisas.
Vingança é um prato que se serve em .PNG
O projeto nasceu como resposta direta à apropriação descarada de obras por ferramentas como Midjourney, Stable Diffusion e DALL·E, que adoram “treinar” seus algorítimos com o suor criativo alheio. Tipo aquele colega da escola que copia seu trabalho e ainda tira nota maior.
Os criadores do Nightshade (os mesmos por trás do Glaze, escudo digital contra o rastreamento por IA) decidiram ir além da proteção passiva. Com este novo programa, partem para o contra-ataque: em vez de apenas ocultar, corrompem. Uma sabotagem sutil, pixel a pixel..
Protestar com veneno é ético?
Claro, sempre vai ter aquele filósofo de café dizendo que estamos atacando a IA em vez de educar as plataformas. Que deveríamos conversar, pedir licença, assinar acordos. Como se alguma dessas empresas tivesse parado para pedir "por favor, posso sugar a essência do seu estilo para meu gerador de unicórnios cyberpunk?"
A real é que estamos há anos tentando diálogo, opt‑out, hashtag, carta aberta, e a arte continua sendo tratada como dado descartável. Então talvez esteja na hora de sabotar a festa. Com mais arte, é claro.
Será que funciona?
Aqui vem o banho de água fria: pesquisadores dizem que modelos mais robustos podem resistir a esses venenos. Ou seja, o Nightshade é tipo alho contra vampiro: pode até funcionar, mas com tanto filtro solar potente por aí, a tarefa parece impossível.
Não se trata só de eficácia. Trata-se de postura. De mostrar que a arte não é gratuita. Que o gesto de criação tem valor. Que existimos. Merecemos nosso lugar ao sol.
O artista pós-2023: entre o pincel e o firewall
Como artista, fico entre fascinado e até certo ponto, exausto. A IA generativa me interessa, e muito: como referência, como ferramenta de pesquisa, como provocação estética. Uso com frequência as imagens que a IA gera para ilustrar meus textos (como a imagem acima) apenas para criar tensões visuais, abrir janelas.
Quem conhece meu trabalho reconhece de imediato: não é IA. O resultado é uma obra carregada de escolhas, estilo e autoria, mesmo quando nasce nesse território híbrido entre fotografia, manipulação digital e o que costumo chamar de pós-imagem. A IA pode até entrar no processo como referência, ruído ou provocação. No entanto, o gesto final, a curadoria do olhar, o corte, a textura e o silêncio entre pixels… isso é intransferível.

Se quiser entender melhor como vejo essa interseção entre arte digital, fotografia e autoria, escrevi um texto em inglês que aprofunda essa conversa:
👉 Demystifying Digital Art
É quase um making-of filosófico das imagens que produzo e um convite a olhar com outros olhos o que ainda chamam de “arte feita por computador”.
A ironia de tudo isso? Hoje, para proteger sua obra, você precisa corrompê-la. Para ser respeitado, tem que enganar o sistema que te imita. É a estética do glitch virando política do pixel.
No fim das contas…
Pode ser que o futuro nos obrigue a novas formas de contrato entre criadores e algoritmos. Pode ser que a Nightshade seja só o primeiro sintoma de uma rebelião mais sofisticada. Pode ser que amanhã o ChatGPT gere um texto idêntico a este (com menos alma, espero). Enquanto isso, sigo por aqui, pincelando veneno com algum ritmo, escaneando a linha tênue entre o código e a criação.
Entenda mais aqui.
E se, ao invés de sabotar IA, trabalharmos em licenciamento, incluindo “artist-first datasets” regulados, ou cláusulas de compensação por uso generativo? Deixe aqui sua opinião!
De minha parte, só posso dizer que se um dia alguém disser que minhas obras confundiram os robôs, vou encarar como elogio.